Sunday, October 01, 2006

Sobre a inclusão digital

Clayton Melo

Que o Brasil sofre de inúmeras mazelas sociais não é novidade. Também sabemos de cor e salteado – ou deveríamos ter consciência disso – que o fosso que separa os incluídos dos excluídos é uma das principais razões para o acirramento da tensão social, mais visível nos grandes centros urbanos, embora não exclusivo dessas regiões.
Nesse contexto, onde se insere a inclusão digital? Qual seu papel na construção de um país? Modestamente e sem grandes pretensões, gostaria de refletir a respeito.
Sem dúvida a inclusão digital é fundamental.
Até aí, muitos podem concordar, mas invariavelmente surgirá alguém a dizer que, antes de dar computador e acesso à rede, deve-se trabalhar para que a população tenha casa, comida e roupa lavada – enfim, todas aquelas coisas a que todos têm direito e, sem as quais, não se vive dignamente. Só depois de prover tudo isso é que se poderia pensar na tão fala inclusão digital.
Além disso, é comum ouvir o argumento de que a penetração da web é baixa. Logo, não é tão relevante.

Discordo.
Para começo de conversa, recorro a Pierre Lévy. No livro “Cibercultura”, ele rebate argumentos que minimizam a relevância da cibercultura em razão da baixa inserção da internet no conjunto da população mundial – o contexto em que a análise do filósofo foi exposta é um pouco mais amplo do que o tema diretamente abordado aqui, mas o raciocínio também vale. Escreve Lévy:
– Ainda que apenas um quarto da população da humanidade tenha acesso ao telefone, isso não constitui um argumento “contra” ele. Por isso não vejo por que a exploração econômica da internet ou o fato de que atualmente nem todos têm acesso a ela constituiriam, por si mesmos, uma condenação da cibercultura ou nos impediriam de pensá-la de qualquer forma que não a crítica.


Em favor da inclusão digital, deve-se dizer que ela anda de mãos dadas com o desenvolvimento social. Essas questões estão intimamente interligadas e fazem parte do mesmo contexto: a inclusão digital pode ser entendida como uma das facetas da inclusão social. Não vejo como – no atual estágio do mundo globalizado, em que todas as relações na sociedade passam inexoravelmente pela mediação do digital – exercer a cidadania sem estar inserido na grande rede em que se tornou o mundo.
A participação política, por exemplo, não pode mais prescindir da internet. É um campo de atuação, seja ela de que natureza, consolidado. Como diz Pierre Lévy (veja post anterior), a internet permite ao cidadão ter maior vigilância sobre ações governamentais:

– A longo prazo, é possível que o uso da internet conduza a uma renovação da democracia participativa local e a formas de governo mundial mais eficazes do que as atuais. Evidentemente, nada disso acontecerá sem um comprometimento ativo dos cidadãos. A tecnologia se limita a abrir possibilidades. Somente a atuação das pessoas permite que elas se realizem bem. Já hoje as ''cidades digitais'' que reforçam os elos sociais e políticos dos cidadãos do mesmo aglomerado alcançam algum sucesso. Cada vez mais há governos que prestam serviços administrativos por intermédio da internet. Também vemos cada vez mais movimentos políticos se organizando de maneira ágil, eficaz e pouco dispendiosa através da Grande Rede.



Assim, como se pode pensar um país mais justo socialmente sem trabalhar para que toda a população esteja inserida nesse novo e importante campo de atuação política e social? Em termos mais práticos, entre tantos outros que poderíamos listar: ser um excluído digital quer dizer ter espaço cada vez mais reduzido no mercado de trabalho. Veja o que diz Antonio Mendes da Silva Filho, doutor em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco, no artigo “Os três pilares da inclusão digital”:
– A exclusão sócio-econômica desencadeia a exclusão digital ao mesmo tempo em que a exclusão digital aprofunda a exclusão sócio-econômica. A inclusão digital deveria ser fruto de uma política pública com destinação orçamentária a fim de que ações promovam a inclusão e equiparação de oportunidades a todos os cidadãos. Neste contexto, é preciso levar em conta indivíduos com baixa escolaridade, baixa renda, com limitações físicas e idosos. Uma ação prioritária deveria ser voltada às crianças e jovens, pois constituem a próxima geração.

Mais adiante ele escreve:

– Um parceiro importante à inclusão digital é a educação. A inclusão digital deve ser parte do processo de ensino de forma a promover a educação continuada. Note que educação é um processo e a inclusão digital é elemento essencial desse processo. Embora a ação governamental seja de suma importância, ela deve ter a participação de toda sociedade face a necessidade premente que se tem de acesso a educação e redistribuição de renda permitindo assim acesso as TIC’s (tecnologias de informação e comunicação).
Como se pode ver, não pode pensar uma coisa em detrimento da outra. Tenho esperanças que o Brasil vá conseguir vencer a exclusão digital.

* O artigo de Antonio Mendes da Silva Filho está disponível no endereço http://www.espacoacademico.com.br/024/24amsf.htm

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